O ônibus percorre as ruas rumo ao seu destino, como sempre. Seus passageiros permanecem em silêncio, pensativos ou, quem sabe, enfadados do dia a dia. Alguns cochilam, outros olham para o nada. Eu os observo, reconheço-os, apesar de estranhos, afinal faço esse mesmo trajeto há 11 anos.
Por que? Meu pensamento voa tentando recordar o exato momento da minha vida em que fiz essa escolha. Busco essa resposta lá no fundo, nos porões da memória, bato em cada porta procurando esse momento. Em cada porta esconde-se um pedaço da minha vida. Minha infância na vila militar onde morava, vendo as pessoas passarem com suas pernas enormes, inchadas por causa da filaria. Na adolescência, alegre e descompromissada, lendo poesias de Castro Alves, Gonçalves Dias, Omar Khayamm, sempre com um nó no peito ao olhar o quadro pendurado na sala de minha casa, linda tela, que sempre significou para mim a comunhão entre o homem e a natureza. Entre mim e a natureza. Na faculdade, vítima da ditadura militar e consciente das injustiças sociais. Os trechos da minha vida voam libertos no meu consciente como pequenos pirilampos que acendem e apagam rapidamente antes que consiga agarrá-los. Estou confusa, não encontro uma resposta, não consigo captar o momento que busco. O ônibus pára, eu salto e entro na rua sem pavimentação, as casinhas pequeninas e humildes me contam histórias de vidas simples. Me aproximo do portão da Unidade de Saúde, algumas pessoas me aguardam na calçada.
_ Dra, poderia conversar um pouquinho com a senhora?Pergunta uma paciente.
_ Sabe, doutora, se eu ganhar algum dia na sena vou lhe dar um carro de presente, promete outro.
_ Não se esqueça de contratar o motorista, respondo, e todos rimos e entramos.
Agora percebo porque não consigo definir o momento exato em que decidi trilhar esse caminho mais dificil e mais longo. Simplesmente não existe esse momento, a cada passo , a cada gesto, a cada olhar ,eu reafirmo essa opção. Diariamente, continuamente , não foi uma decisão de momento, foi decisão de uma vida.
Cada vez que entro aqui meus olhos lacrimejam,tudo isso me toca tanto que passo o dia pensativa.
ResponderExcluirDecisão que me permitiu existir. Tenho orgulho de uma história linda dessas!
ResponderExcluirTia, você é fruto de muitas conquistas, inteligência e humildade. Nòs todos temos muito orgulho de você. Vejo isso principalmente pelo relato que você nos dá dos teus pacientes.
ResponderExcluirEscreva sempre, pois gosto muito dos teus textos.
beijinhos, Maíra
maravilhosas essas historias. o problema que fico chorando em todas que leio. aquela entao da sua chegada a ribeirao cascalheira... que coisa linda.
ResponderExcluirvanja vc tem que escrever um livro. essas histórias precisam ficar para sempre no coraçao das pessoas.
te admiro muito
ceiça