Transito diariamente entre dois mundos, eles se tocam, arranham-se,relacionam-se, mas não se misturam. Convivem lado a lado, como fotografias estáticas da realidade,olham-se com olhos da imaginação até onde é permitido olhar, mas não se vêem. Poucos têm acesso à pequena passagem que permite adentrá-los, entendê-los. Em cada um deles exerço um papel diferente. Em um sou mãe, dona de casa , filha, amiga, aluna. No outro, médica, professora, advogada, psicóloga. Nasci em um deles e o outro escolhi para viver. Um é meu abrigo, meu refúgio, meu silêncio.O outro, meu campo de batalha, minha luta, meu ideal, embora nem sempre esses papéis fiquem assim claramente definidos no meu dia a dia. Sou migrante em ambos e, ás vezes, sinto que não pertenço a nenhum. Viajante, forasteira da minha vida, carrego na bagagem lembranças de todos os mundos que vivi. Sou formada de retalhos , vivências de idas e vindas. Tiro da bagagem sentimentos antigos, mofados pelo tempo, e tento revivê-los numa realidade emergente que ignora velhos conceitos e que se impõe buscando novas definições ainda inexistentes.
São cinco horas da tarde, hora de partir. Pego o ônibus e vagueio no limite entre os dois mundos. No trajeto vão ficando rastros de uma outra vida. Olho para minhas mãos pequenas e frágeis, conheço cada marca, cada sulco. Chego em casa, abro a porta e limpo os pés no tapete, retiro os vestígios de uma realidade agora distante. Entro despida, sem resíduos, apenas as marcas no rosto e o cansaço de lutas travadas, de lutas perdidas. Nos olhos, migalhas de sonhos.
Nos olhos, migalhas de sonho.
ResponderExcluirPercebe que ainda os preserva, de um jeito ou de outro? Isso é que é fantástico.
Mi(g)rante
ResponderExcluirFeita de retalhos
transita em todos os mundos
fotografa os conceitos
e as horas
e caminha dentro de si ...
Parte de seu destino
acaba no final da tarde
lá pelas cinco.
Mas há outras liberdades
e cansaços à espera.
E ela vai !!!
báh abr.2009