Elas vão chegando lentamente, no ritmo que o calor de 40° imprime às pessoas. Mas às sete horas da manhã já estão na Unidade, normalmente acompanhando alguém, porque são elas que cuidam do mundo. São meninas risonhas ou idosas caladas. Carregam pelas mãos maridos, pais , sogros e filhos. Estes nos chegam nos ventres volumosos, no colo, nas mãos, e às vezes são tão numerosos que, não tendo onde segurar, se agarram na saia ou nas pernas delas. Elas ficam na fila pra marcar consulta, levam as crianças para vacinar, vão conversar comigo pra ver se dou um atestado pro marido ou filho, que faltou ontem o serviço, enquanto seus companheiros ficam sentados batendo papo. São elas que marcam e comparecem à consulta com os maridos e também, muitas vezes, falam por eles. E cuidam dos idosos e doentes, levam os filhos à escola e/ou creche. São elas as que mais sofrem com o desemprego, são quem ouve as queixas das crianças, e como são cruéis, quando querem alguma coisa que o salário curto não pode comprar. Transformam-se em negociantes nos comércios afora para conseguir comprar sem dinheiro a comida e sua imprenscindibilidade. São arrumadeiras, cozinheiras, lavadeiras. São crianças a chorar ao serem agredidas, esquecidas. Sim, porque só são lembradas e priorizadas quando estão grávidas e, assim mesmo, não o são por elas, mas pelo filho que carregam. Amamentam, embalam os filhos que muitas vezes,mais tarde, as abandonarão, sozinhas, na sua velhice. Vão visitar maridos e filhos na cadeia, sempre inocentes e injustiçados. Raramente os abandonam, diferente de quando ocorre o contrário, quando não são visitadas e a maioria das vezes acabam abandonadas. Vejo-as indo embora, subindo a rua carregando os seus, são mulheres, são Marias, tão cantadas nas músicas, tão invisíveis na vida real. Vão subindo as ruas no mesmo passo lento com que chegaram, pra que a pressa? A vida pra elas não muda.
_ Para que estudar? Vou ser doméstica mesmo. Disse uma das Marias à Nara, enfermeira da Unidade, quando questionada sobre o porquê de ter parado de estudar.
Vão, aos poucos, afastando-se, sumindo da minha vista, escondendo-se do meu olhar, mas permanecem continuamente comigo. Não como as Marias, para mim têm identidade própria , vida própria, talvez não a que pediram, que elas vão levando com a garra e a coragem que só as mulheres conhecem .Lá se vão, anônimas e invisíveis , carregando o mundo.
Eu e João de novo entramos aqui para olhas as coisas lindas...
ResponderExcluirJá que o livro não saiu, como pedi tantas vezes, pelo menos o blog sai.
q beleza de blogg! parabéns mesmo! um beijo da amiga da marilia daqui do rio, michelle!
ResponderExcluirSuas palavras refletem um olhar da realidade que muitos de nós não conseguimos enxergar, parabéns... as histórias estão ótimas.
ResponderExcluirabraços
Daniele