sábado, 5 de setembro de 2009

PÁSSARO (à minha mãe):



Meu coração bate pequenino, mal o sinto no meu peito oco. Mesmo assim percorro o caminho que me cabe. Dia a dia ouço o sofrimento dos outros, e o meu, quem o ouve?

Enquanto caminho, sinto fluir a tua vida rapidamente. Escapas de ti mesma, minhas mãos já não conseguem te prender à realidade da vida, teu corpo leve mal toca no chão quando andas, pareces um pequeno pássaro, na porta entreaberta da gaiola, pronto para partir para a liberdade. Olhas para nós pedindo ajuda, queres partir, mas te falta coragem. Teus olhos antes assustados vão adquirindo a tranqüilidade do inevitável, meus olhos antes tranqüilos são só desespero contido perante o inexorável.

Continuo meu cotidiano, mas não me afasto de ti, pequeno pássaro. Meus pensamentos voam ao teu lado, afago tua cabeça e massageio tuas costas, toco nos teus ombros tão frágeis, canto músicas que gostas de ouvir e sorris serena. Teu quarto, os CDs, os livros de poesia: todos testemunhas caladas da tua vida.

Seguro com ambas as mãos teu corpinho de ave, não te deixo partir. Não agora. Tenho tanta coisa a falar, mas não escutas mais, teu olhar vago e remoto me diz isso. Tua essência me foge das mãos, me olhas de longe, me desconheces. Te seguro firme, sinto teu coração frágil pulsar, te guardo no meu peito oco, enquanto caminho ninguém te vê, ninguém me vê. Carregar-te-ei para sempre dentro do meu peito, mas teu rosto, tua alma já não fazem parte do cotidiano, não te interessas mais pelas coisas mundanas que antes eram tão tuas. Teu olhar me pede ajuda, minhas mãos tremendo se abrem para a eternidade e deixam-te partir.