sábado, 18 de abril de 2009

ADAPTAÇÃO

Indo fazer um parto domiciliar


Assim que cheguei a Ribeirão Cascalheira, levaram-me à Casa dos Padres, morada dos sacerdotes, freiras, incluindo Bia (a enfemeira que serviu de ponte entre mim e a nova vida), e agentes da pastoral. Encantei-me com a casa de adobe, coberta por palha, como a maioria das casas da região, e muito acolhedora. Receberam-me muito bem e lá passei a minha primeira semana, enquanto esperava uma casa onde pudesse morar. O primeiro choque de realidade aconteceu quando, no banheiro, deparei-me com um buraco no chão em lugar de vaso sanitário. No momento primeiro me recusei a utilizá-lo, até que não tive outra saída. Era o início de uma série de conflitos pessoais por quais eu passaria.
Mínima, a cidade acompanhava o trajeto da Br 158, que era sua avenida principal, responsável por cortar a cidade de fora a fora. Havia pequenos comércios, uma escola municipal, uma delegacia e um posto de saúde estadual, onde, afinal, eu iria trabalhar. A luz elétrica de toda a cidade provinha de um motor a diesel que volta e meia dava problema e que funcionava apenas no limitado horário das aulas noturnas, das 19h às 23h: quatro horas por dia. Não havia correio, nem telefone. Água encanada, então, nem pensar. A água utilizada tinha origem em cisternas, existentes em todas as casas, que não eram em sua maioria imunes à seca.
Durante essa primeira semana, Bia me levou para conhecer as lideranças da cidade e o posto de saúde. Pequeno e abandonado pelas autoridades, a unidade contava com móveis e equipamentos, em sua maior parte, doados pela população ou pela igreja. Não havia enfermeiros, tampouco auxiliares de enfermagem, apenas três joves contratados pela SES como agentes de limpeza, mas que estavam sendo treinados por Bia para desempenharem também a função delegada, naquela época, aos atendentes de enfermagem. Treinamento esse que continuei. Mais tarde frequentariam o curso oferecido pela Secretária de Saúde para terem o título por direito.
Passada a primeira semana e as primeiras impressões, mudei-me. De alvenaria e quatro cômodos, minha casa era uma das melhores da região e tinha por vizinha da frente a república dos professores, a maioria deles vindos de Belo Horizonte, através de contatos com a Prelazia, para lecionar no período noturno da escola.
Em meu primeiro dia de trabalho, toda a cidade apareceu no posto para se 'consultar' comigo na ânsia de conhecer a nova médica. Trabalhei o dia inteiro, só parando para almoçar na casa de um morador. No fim da tarde, louca para tomar um banho e descansar, me deparei com o problema de não ter comprado corda, nem balde, além de não ter mandado 'esgotar' a cisterna, de forma que a água encontrava-se suja e, assim, imprópria para uso. Ninguém tinha me avisado da necessidade de se providenciar essas coisas. As únicas pessoas com quem tinha intimidade eram a Bia e o pessoal da igreja, mas a casa deles era longe e já estava escurecendo. Desanimada e sem saber o que fazer, entrei em casa e encontrei um problema infinitamente maior na parede: uma aranha enorme, que provoca em mim uma quase fobia. Com o coração acelerado, corri para o quarto e tranquei a porta. Foi a primera vez em que senti vontade de chorar, com saudade do meu quarto, do conforto da minha cama, do chuveiro elétrico, detalhes que antes atuavam desapercebidos em minha vida e que agora me faziam tanta falta. Como trilha sonora desse singular momento, as vozes dos profressores, acompanhada do violão, se avizinhavam. Sabendo que as aulas ainda não tinham começado, resolvi ir até lá pedir ajuda. Receberam-me muito bem, convidando-me a sentar, e logo estava cantando com eles. Quando me senti mais à vontade, contei-lhes os problemas e eles prontamente me ofereceram o banheiro para que eu tomasse banho e uma rede pra dormir, longe da aranha. Propuseram-se também a procurar a aranha no dia seguinte. Aceitei sem pestanejar. Dormi um sono profundo de satisfação.

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