Este ano está me levando várias vidas. Vidas queridas, vidas vividas. Estão indo embora os contadores de histórias, de histórias reais e sofridas, mas contadas com a graça e a sabedoria de quem soube vivê-las e aproveitá-las, cheias de risos e detalhes , cheias de suor e trabalho. A infância dura na roça, a luta pela sobrevivência, o casamento, os filhos, os netos, e, muitas vezes, a solidão e o abandono. Seus olhos opacos pela visão entorpecida, seus corpos curvados, seus rostos qual terra que endureceu, seus dedos sulcados pelo arado do tempo. Seus sorrisos, ás vezes contidos pelas agruras a que foram submetido, outras vezes fartos como o das crianças, mas sempre presentes.Chegavam com suas bengalas, seus chapéus de palha, suas sacolinhas cheias de remédios e receitas, muitas vezes tão antigas , já indecifráveis, que teimavam em guardar. Não entediam essa língua de horários e receitas, de consultas e de remédios, iam na Unidade como quem vai visitar um amigo íntimo: não seguiam horários pré- determinados para nada, iam consultar quando achavam que deviam, tomavam os remédios quando lembravam e comiam o que podiam comprar. Riam da nossa teimosia insistente ao lhes dizer até o que comer e o que não comer , como fazer a comida, o horário que deviam acordar e dormir. Riam. Muitas vezes só no seu íntimo, mas riam. Ouviam-nos ás vezes calados, mas determinados a construir o resto de suas vidas do jeito que bem entendessem. Pelo menos agora, que já não existia mais compromissos com a vida dos outros, sem filhos pra criar, sem chefes para obedecer, sem enxadas para se curvar,seriam, finalmente, donos do seu fim. Iam-se com seus passos incertos, suas sacolas e bengalas, os lenços nos cabelos brancos, os pés endurecidos pela longa caminhada, a pele arada, curtida pelo sol, seus olhos de poeira(o pó de lembranças cobrindo o olhar), o riso parado no tempo . Seguiram o caminho determinado e construído pela vida, o caminho que conheceram a vida inteira e que é parte de sua construção como indivíduo. Seguiram, passos lentos e cambaleantes, para nunca mais voltar.
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Nossa, doutora, já tinha até desistido de passar no seu blog porque nunca tinha post novo! E me deparo com dois belos posts... Muito bonito esse!
ResponderExcluirAndrea